Entrevista: “a Amazônia tem muita resistência”, diz professor da UFAM

No dia em que o assassinato de Chico Mendes completa 32 anos, entrevistamos o professor Luiz Fernando sobre as lutas da floresta Amazônica no passado, presente e futuro

Por Zé Luís Costa
Da Página do MST

No dia que se lembra o assassinato de Chico Mendes, o dia 22 de dezembro, fato que ocorreu em 1988, o MST entrevista o professor Luiz Fernando, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que tem vasta experiência no estudo das lutas populares na Amazônia. O tema discorre sobre o legado de Chico Mendes e sobre a perspectiva de unificação das lutas e da resistência do movimento social, nessa região do país.

Ele também trata na entrevista acerca do governo que atacou ferozmente a região e que colocou em sua pauta, praticamente, a destruição do legado de Chico Mendes. E também, principalmente, sobre o que motiva a continuar sonhando, lutando com a esperança de anos melhores nessa realidade.

O professor Luis Fernando. (Foto: arquivo pessoal)

MST — Dentro das questões estudadas por você sobre a Amazônia, qual é o principal Legado de Chico Mendes para os dias de hoje?

Luís Fernando — O principal legado de Chico Mendes é nos colocar diante de uma pauta ecossocialista. Quando eu digo ecossocialista é porque, no contexto de crise ambiental planetária, a Amazônia ocupa um lugar importante na questão, tanto no debate da crise ambiental quanto na resolução dela. O legado de Chico Mendes tem a ver com a reivindicação do modo de existência do mundo do trabalho das populações tradicionais na Amazônia. E isso se articula, então, com uma luta que é uma luta de classes. Que se desdobra em uma resistência ecológica em defesa do meio ambiente. O legado dele se articula como essa chave que eu chamo de o ecossocialismo.

Chico Mendes começou militando em sua profissão, nas suas tradições seringueiras, não se falava ainda em ecossocialismo. No entanto, já havia uma luta em torno da proteção da Amazônia. Como se pode caracterizar os tipos de lutas na proteção da Amazônia, na época do Chico Mendes?

Luís Fernando: Hipoteticamente são lutas que eu diria: pela resistência do seu modo de reprodução, da sua vida, do seu grupo social e em particular de seus símbolos. No Acre eram os povos indígenas, em vários lugares da Amazônia; na região entre o Pará e Maranhão, eram as quebradeiras de coco. E percorrido esse conjunto inteiro que está ali, sendo chamada aqui ao palco da história em uma resistência à ditadura militar que aqui impôs grandes projetos para Amazônia, naquela ideia de ‘integrar para não entregar’, que era o mote ideológico dos ditadores para avançar com os grandes empreendimentos na Amazônia.

Ora, esses grandes empreendimentos foram destruídos pelo caminho. Vão destruindo o meio ambiente, mas, vão destruindo também as várias formas de reprodução da existência, dos grupos sociais, que eu citei e eles são obrigados a emergirem no palco da história. Eles emergem na resistência. Eles não são propriamente socialistas ou ambientalistas, eles estão resistindo ao ataque da existência deles. Esse é o primeiro elemento: a resistência. E ela vem de dentro da Amazônia aos grandes projetos, sem ainda ter muito explícita uma pauta que seja ecológica, ou que seja uma pauta socialista, antes ela é uma pauta da resistência, fundamentalmente.

Sabe-se que, pelas condições geográficas do entorno de onde vivia Chico Mendes, as condições e as desigualdades sociais eram muito maiores, em relação a boa parte do Brasil. E também que Chico Mendes se alfabetizou já tarde, comparando-se aos dias normais. Como é que surge esse senso crítico e de luta pela proteção da Amazônia em Chico Mendes?

Luís Fernando: Eu penso que ela surge na mesma esteira que surgiu, por exemplo, as lutas no ABC Paulista, no final da ditadura dos anos 1970 e que levou vários operários, incluído aí, o Lula a fazer a leitura crítica do seu mundo sem precisar inicialmente da mediação com as universidades.

É a construção intelectual que nasce do mundo do trabalho na resistência, no caso dos operários no ABC, essa mesma perspectiva a gente pode pensar em relação a essa resistência que nasce no embate de Chico Mendes, em Xapuri e os seringueiros que estão naquela região. Ela nasce da necessidade de se construir a resistência. Mas, nasce numa perspectiva crítica, ela nasce da experiência, com as Comunidades Eclesiais de Bases, que fazia a discussão nos termos da teologia da libertação. Nasce no contato do Chico Mendes com algum militante que vai para Bolívia e depois vem para o Brasil pelo Acre e faz a leitura do mundo a partir do marxismo e que vai ser uma das pessoas com quem Chico vai dialogar e vai construir uma percepção de mundo que vai estar articulada com suas resistências.

E aí ele vai elaborar um digamos, um discurso mais conceitual, porém, isso que ele elabora conceitualmente no discurso, que ele se transforma no Chico Mendes, que a sociedade civil e mundial vem a conhecer, já é algo que estava em germe. Já era uma sementinha que estava ali pela resistência que ele fazia.

Trazendo para a realidade de 2020, um ano que foi muito duro para muita gente e em relação à Amazônia, aos lutadores em defesa do meio ambiente. E na frente do Ministério de Meio Ambiente se tem um cara que é comprometido com os madeireiros, com os exploradores de garimpos ilegais, com tudo aquilo que vai de contrário ao que Chico Mendes defendia. O que você tem a dizer de 2020 com relação a história de Chico Mendes?

Luís Fernando: Eu diria que ela foi completamente a memória de Chico Mendes. No seu legado, na sua história, ela foi na emergência desse governo de política fascista, ela foi profundamente atacada. Vamos lembrar que em 2019, esse ministro, o Salles, disse em cadeia nacional no programa de TV, disse que não sabia quem era Chico Mendes. Que nunca tinha ouvido falar em Chico Mendes. É uma grande mentira. Mas, é um governo que foi montado em cima da fakenews, factoides, em cima de uma contraposição à verdade.

Esse 2020 foi no ataque frontal à pauta ambiental, à pauta das organizações indígenas e da demarcação de terras indígenas, à construção de unidades de conservação, que articula o modo de existência das populações locais. O vírus se espalhou de forma furiosa no meio das comunidades locais, aqui na Amazônia. Ao mesmo tempo em que avançava o garimpo ilegal, a indústria madeireira ilegal. E aliás, tudo que vem deste governo é ilegal, a exploração do grande capital neste governo avançou rapidamente.

O crescimento dos índices de desmatamento da Amazônia. E particularmente, você olha aqui a violência, é maior naquela região que vai se aproximando do Acre, onde Chico Mendes e sua luta estavam localizadas. Essa violenta destruição avança raivosamente naquela região de onde Chico Mendes lutou.

No sentido de esperança e no sentido de ensinamento de Chico Mendes, o que se pode projetar para uma esperança de transformação da realidade para os próximos anos?

Luís Fernando: Eu penso que no momento de maior ataque ao mundo trabalho, ao meio ambiente… é nessa hora que não há espaço para você colocar dúvida. É como diziam os trabalhadores dos anos setenta, quando estava na luta: é na luta que se conhece o “pelego”.

Esse momento da nossa da nossa passagem política no Brasil está chamando para isso. E não há espaço para pelegagem. O que significa isso? Os povos indígenas, as mulheres quebradeiras de coco, os quilombolas e seringueiros, no Acre, os ribeirinhos com diversas atividades econômicas na região: eles sabem que este é o momento de construir a resistência e eu penso que apesar de parecer terra devastada por esse governo, na Amazônia tem muita resistência. O espírito de Chico Mendes e seu legado, a história de resistência, que os seringueiros de Xapuri construíram, está presente nas diversas lutas que a gente tem naquela região.

*Editado por Ludmilla Balduino