Reinventar o MST para continuar sendo o MST

Por Edgar Jorge Kolling


Passados quase 30 anos da fundação do MST, nosso Movimento experimenta uma de suas maiores encruzilhadas históricas: a Reforma Agrária está bloqueada! 

Por Edgar Jorge Kolling

Passados quase 30 anos da fundação do MST, nosso Movimento experimenta uma de suas maiores encruzilhadas históricas: a Reforma Agrária está bloqueada! 

A Reforma Agrária praticamente saiu da agenda política e o agronegócio avança a passos largos, com bilionários recursos governamentais e com o apoio total da grande mídia. A opinião pública, em sua maioria intoxicada pela propaganda do agronegócio, está satisfeita ou conformada com esse modelo, e assiste a tudo sem entender ou se quer conhecer a disputa que existe entre os dois projetos para o campo brasileiro: o agronegócio e a agricultura camponesa. 

As famílias Sem Terra dispostas a lutar pela terra já são poucas, especialmente no centro-sul do Brasil. Nas regiões nordeste e norte, onde se concentra a maioria dessas famílias, a luta pela terra ainda tem certo fôlego, mesmo que tenha diminuído nos últimos anos.

Neste contexto, complexo e adverso para o avanço da Reforma Agrária, o MST tem muitas tarefas e desafios pela frente. E são desafios fundamentais, que dizem respeito à própria existência e sentido de ser do MST. Assim como há 30 anos o MST surgiu da crise econômica, social e política, agora é a vez do Movimento se superar para seguir como um protagonista importante nas lutas da sociedade brasileira. 

O grande desafio do MST é se reinventar! Se reinventar e se recriar para seguir seu caminho na luta pela terra, pela Reforma Agrária e por transformações estruturais da sociedade brasileira. Do contrário, corre o risco de ser mais um movimento que nasceu, cresceu e aos poucos foi enferrujando até ser superado por outras organizações mais eficazes para atender aos interesses dos sem-terra e camponeses.

Percurso

Em 2011, analisando a luta de classes no campo, os entraves postos à Reforma Agrária e as dificuldades que vêm enfrentando, o MST decidiu desencadear um grande processo coletivo de debates em preparação ao seu 6° Congresso Nacional, que será realizado em 2013. 

O MST tem consciência da encruzilhada histórica em que está inserido e que, para sair dessa situação, será necessário construir uma outra correlação de forças, favorável à Reforma Agrária em contraposição ao agronegócio. Tudo indica que será um período longo de lutas, de construção da unidade camponesa e de estreitar alianças com amplos setores urbanos. 

Internamente o MST busca fazer uma análise rigorosa de sua natureza e compreender-se como um fenômeno histórico, em permanente movimento de criação e reinvenção. A linha política é potencializar essa empreitada de preparação ao 6° Congresso, que já vem se constituindo nos encontros, seminários, cursos, reuniões e trabalho de base, envolvendo milhares de Sem Terra. 

O caminho se faz caminhando. A marcha se organiza, marchando. E o Movimento Sem Terra se faz em movimento. Por isso é importante “beber do próprio poço”, extrair lições e aprendizados com os erros e acertos da caminhada já feita. Dessa raiz, que já conta com seus 30 anos, temos que projetar outros 30. Debater com a base Sem Terra sobre o que zelar e o que mudar na nossa organização. No caminho, ir tomando medidas para mudanças necessárias na estrutura organizativa, nas formas de luta, no método de direção e em outras dimensões que os debates apontarem. Nesse processo, identificar nossos limites, avanços e desafios internos. E, também, os que dizem respeito ao conjunto da sociedade brasileira.

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Nossa visão de mundo e nossa concepção de conhecimento nos permitem compreender que os fenômenos sociais não acontecem de forma linear, mas são frutos das contradições existentes na sociedade. Por isso mesmo é que algo que está no auge hoje, no outro estará em descenso, e assim segue a história. 

Nessa perspectiva, precisamos fortalecer nossa organização, manter a unidade interna, cultivar a identidade de lutadores e lutadores do povo e de pertença ao MST. Para continuar pressionando pela construção de nosso projeto de futuro, temos muitas tarefas pela frente. Algumas delas são centrais na conjuntura atual e se desdobram como nossos desafios.

Concretizar nosso ideário 

Analisando nossas áreas percebemos uma grande distância entre a definição política pela Reforma Agrária Popular e sua implementação pelas famílias assentadas. Não são poucos os assentados que priorizam monocultivos, plantam sementes transgênicas, usam agrotóxicos, enfim, reproduzem o pacote perverso do agronegócio que o MST combate. 

E quantas são as famílias assentadas que produzem de forma agroecológica?  E qual têm sido o empenho do MST, em termos de decisão política, recursos humanos e materiais, para concretizar nos assentamentos esta matriz tecnológica?

Colocar os assentamentos no centro da ação do MST é construí-los como um exemplo de organização da produção e do trabalho, de coerência na escolha da matriz produtiva e tecnológica. Fazer dos assentamentos um lugar de se viver bem, em equilíbrio com a natureza e em comunidade. E que sirvam de exemplo na disputa por hegemonia nos mais de mil municípios em que estamos presentes neste país.

Estudo e cultura

O estudo, como esforço individual e coletivo para entender a realidade e nela intervir, é um princípio organizativo que acompanha o MST desde seu nascimento. Também entendemos a educação escolar como um direito e um dever de todos. Inclusive, em 2005, criamos o lema Todas e todos Sem Terra estudando!.

No entanto, temos muitos jovens e adultos analfabetos e outros tantos que não concluíram o ensino fundamental. Ainda há aqueles que passaram pela escola, mas não têm o hábito da leitura e do estudo. 

A falta de estudo e formação crítica nos deixa expostos ao que a grande mídia apresenta, os seus valores individualistas e consumistas, além da criminalização dos movimentos sociais. Por isso, é necessário fazer frente a essa mídia.

Precisamos potencializar escolas, bibliotecas, pontos de cultura e demais espaços dos assentamentos e acampamentos. É preciso pensar e construir diferentes alternativas para elevar o nível cultural do conjunto do MST.

Princípios organizativos 

A crise ideológica que atinge a esquerda e as dificuldades em projetar o caminho rumo ao socialismo têm afetado também o MST. Isso diminuiu a vigilância sobre a prática de nossos princípios, que pode ser percebida no descuido em aplicar com qualidade o método da direção coletiva, a crítica e autocrítica, a disciplina e o trabalho de base.

Ao longo dos anos criamos diferentes formas de organização de base, das instâncias e dos setores de atividades, mas hoje observamos que esses espaços pouco funcionam. Não podemos nos conformar com essa situação. Precisamos nos debruçar sobre o tema e tomar medidas para ajustar ou reinventar as formas organizativas coletivas. 

Nesse período de descenso da luta de massas é importante também resgatar a mística e os valores humanistas e socialistas. Cultivar valores como o trabalho, o estudo, o espírito de sacrifício, a humildade, a rebeldia é fundamental para manter a disposição em seguir lutando.

Batalha das ideias

Boa parte do povo brasileiro está satisfeita com o modelo predominante da agricultura no país. Porque pouco se sabe sobre os malefícios do agronegócio, que entope os alimentos de agrotóxicos, destrói a natureza e o meio ambiente e concentra terra, renda e riquezas. Ainda mais grave é que essa visão também predomina entre os assentados e em boa parte da militância do MST.

Para confrontar o agronegócio não basta que as direções do Movimento saibam sobre os projetos em disputa no campo. É necessário que o conjunto do MST compreenda porque a Reforma Agrária está bloqueada, os mecanismos e contradições do agronegócio, e também conheça o projeto da agricultura camponesa e sua missão de produzir alimentos saudáveis. 

Para essa socialização e para fazer propaganda dos avanços da Reforma Agrária Popular, devemos potencializar a imprensa alternativa: Jornal Brasil de Fato, Jornal Sem Terra, rádios comunitárias, etc. Também as escolas, os institutos e as universidades dispostos a debater esses temas.

Nossa tarefa principal é realizar lutas conjuntas para construir uma nova correlação de forças nesse embate de projetos.

Lutas

Os inimigos da Reforma Agrária foram se modificando ao longo dos anos. Dos latifundiários e órgãos de repressão do Estado, lutar pela terra no Brasil hoje é enfrentar diretamente o capital e a aliança que compõe o agronegócio (grandes proprietários de terra, transnacionais, capital financeiro e grande mídia), mais o aparato do Estado. 

As conquistas de terra têm diminuído drasticamente. No primeiro ano do governo Dilma (2011), apenas 22 mil famílias foram assentadas. O mais baixo índice dos últimos 20 anos. Esse cenário fez diminuir o número de ocupações e de famílias Sem Terra dispostas a participarem de lutas. 

Outro motivo que fez encolher as ocupações é o Bolsa Família e as alternativas de emprego nas cidades e no campo, fruto da economia que ainda cresce. 

O que fazer diante desse cenário de abandono da Reforma Agrária pelo governo? Se conformar com a situação não costuma ser a postura do MST. Nossos desafios são identificar os atuais e antigos aliados na luta contra o agronegócio, além de ensaiar novas formas de luta pela terra. Exercitar os Sem Terra no enfrentamento ao capital para acumular experiências e manter a bandeira da Reforma Agrária hasteada.