Sérgio Mamberti: “Eu me considero um militante do Movimento Sem Terra”

Por Camilla Hoshino
Fotos Joka Madruga
Da Página do MST

Em entrevista coletiva concedida aos veículos de comunicação presentes no 2º Festival de Artes das Escolas de Assentamento do Paraná, o ator Sérgio Mamberti, que atuou por 10 anos no Ministério da Cultura, falou sobre a sua relação com o MST, a participação no evento, em Curitiba, e o acesso à cultura no Brasil.

Confira a entrevista:

O que te motiva a apoiar um evento como o 2° Festival de Artes das Escolas de Assentamento do Paraná?

Para mim está sendo uma oportunidade muito especial. Eu tenho uma ligação com o Movimento Sem Terra que não é de hoje. Faço parte de uma geração que teve uma participação muito forte na vida política do país, enfrentando a ditadura militar.

E uma das grandes bandeiras que levantou a questão da justiça e também a defesa para que o Brasil pudesse ter pleno desenvolvimento foi a da Reforma Agrária. Quando o MST se unificou em torno das pessoas que não tinham terra, em prol de uma Reforma Agrária, não trouxe apenas a luta pela terra, mas a cultura e a educação como fatores fundamentais para essa construção.

O que sempre me impressionou muito é que eu via as crianças nos acampamentos nas rodovias, mas havia sempre uma das barracas que era a da escola, para que as crianças fossem alfabetizadas. Eles tinham a compreensão profunda da questão da educação e valorização da cultura do campo.

Ministério da Cultura

Até chegarmos ao governo, em 2003, os militantes do MST nunca tinham conseguido entrar no Ministério da Cultura. Havia até algumas políticas do governo anterior direcionada para eles, mas não havia acesso para penetrarem nas dependências do ministério.

E o ministro Gilberto Gil, em seu primeiro dia, recebeu o Movimento. Eram mais ou menos umas 20 pessoas, tinham violeiros e suas violas. O Gil foi buscar o violão dele para tocar junto, enquanto nós ficamos falando das perspectivas em se construir uma política para o campo.

Fiquei encarregado em desenvolver a Secretaria da Diversidade Cultural, em que estive por 6 anos durante o primeiro governo Lula. Depois, fui ser presidente da Funarte.
Mesmo com este cargo, acabei criando pontes. Criamos, junto ao MST, uma Rede Cultural da Terra. Isso passou a ser cada vez mais uma questão estratégica para que o Movimento pudesse se fortalecer culturalmente, politicamente, e do ponto de vista da cidadania.

Agora, o que vi aqui ontem e que me deixou muito feliz, foi ver que, apesar de todas as adversidades, – pois sabemos que há o preço de vidas aqui, pessoas que deram suas vidas para fortalecer este movimento- as crianças com a cara de esperança e saudáveis, crianças que passaram por situações extremamente difíceis nos assentamentos e acampamentos e que hoje podem usufruir de alguns benéficos da cultura e da educação.

Carreira artística e Militância

Estive durante 10 anos no Ministério da Cultura e agora, recentemente, saí para me dedicar novamente a minha carreira, mas certamente vou continuar minha militância. Neste momento acabo de fazer uma novela que foi um sucesso. Estou em período sabático, escolhendo um novo texto, e recebi este convite para passar uns dias aqui com eles.

Fiquei super feliz em poder participar, ter encontrado com o Movimento e conhecer melhor suas últimas conquistas, o que têm feito. Todas as vezes que eu os vejo, apesar de sempre em meio a muita dificuldade – pois estão inseridos em uma luta desigual- os avanços sempre são perceptíveis. Penso que também posso contribuir um pouquinho com eles.

O personagem Dr. Victor, do Castelo Rá-Tim-Bum é um marco, nacionalmente. E as crianças aqui me reconheciam pelo personagem que fiz recentemente na novela, mas a ancoragem é o Dr. Vitor. E é um programa justamente dedicado à criança, à construção da cidadania da criança, que trabalha questões éticas, a cultura, as artes, ciência e a tecnologia.

Um programa muito completo e educativo, que é visto em Cuba, na Venezuela e em muitos outros países. Dessa forma, me sinto parte desse Movimento, tendo estado muito próximo deles durante todos estes anos. Considero-me um militante do Movimento Sem Terra.

Vemos aqui no Festival de Artes uma situação em que jovens de um movimento social ocupam um espaço histórico da cultura do Paraná, muitas vezes restrito a uma parte da população. Na sua visão, que acompanha nacionalmente o cenário da cultura, esta situação é uma exceção ou os movimentos sociais têm conseguido acesso aos aparelhos culturais e a cultura mais oficial?

Bom, essa tem sido uma das bandeiras do Ministério da Cultura, a partir das conferências realizadas durante os últimos anos. A Constituição, em primeiro lugar, garante este direito a todos os cidadãos, portanto, é obrigação do poder público criar políticas de acesso. Temos trabalhado muito nesse sentido. Mas, infelizmente, ainda estamos longe de que este acesso seja democratizado. Nesse sentido, o estado do Paraná está de parabéns. Tenho percebido que no Paraná existe uma atitude pró ativa em relação ao Movimento.

Eu, que já representei várias vezes neste teatro com outras plateias, estou imensamente grato em ver essas crianças, com essa energia especial. Esses resultados são fruto da militância, da perseverança do Movimento.

Certamente, acho que alguns governos, como o de Lula e da presidenta Dilma, tentam dar ouvidos a essas demandas. Mas, infelizmente, ainda temos um campo muito grande a avançar para que essas possibilidades sejam garantidas.

Ainda não é o momento de ficarmos comemorando, mas, ao mesmo tempo, temos que ficar contentes pelos resultados já conquistados, pois isso mostra que vale a pena continuar lutando.

O seu contato com o Movimento não é só no estado do Paraná, mas nacional…

Sim, é nacional. Sempre estive em vários estados, participando de vários encontros. Construímos a rede cultural da terra fazendo oficinas do teatro do oprimido. Também fizemos um trabalho criando cineclubes nos assentamentos e nos acampamentos.

Sempre houve um interesse muito grande do Movimento no sentido de fazer com que os militantes tivessem esse acesso aos bens culturais, principalmente para que as potencialidades dos próprios militantes pudessem ser desenvolvidas.

Vemos que, culturalmente e cotidianamente, as linguagens do campo e da cidade são distintas. Você acredita que este Festival, assim como o incentivo permanente à arte e a cultura, pode ser uma ponte para o diálogo cultural entre estes dois espaços?

Claro. Na verdade, as coisas que têm qualidade e substância sobrevivem tanto no campo quanto na cidade. Há certas coisas que são mais especificas do campo, mas se você oferece um cardápio diferente para ambas as plateias, elas terão um contato maior com a diversidade cultural.

Mesmo com as diferenças, as pessoas do campo não estão isoladas. Por isso, acredito que, cada vez mais, essa convivência deva ser maior. O que a gente vê é que a vida nas cidades acaba sendo muito atrativa, com um consumismo exacerbado, mas uma ilusão, pois também é uma vida extremamente difícil e árdua.

Temos visto um êxodo rural muito grande, mas o MST trabalha a agricultura familiar com muito fundamento, tentando proporcionar a fixação do homem no campo e valorizar sua relação com a terra. O que precisa acontecer é haver uma circulação dos bens culturais para que todos possam usufruir de diversas correntes, onde quer que estejam. E, claro, preservando suas identidades. Quanto mais essas trocas se estabelecerem, mais rica e maiores serão as possibilidades.

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