O fim da ética da IstoÉ, a revista que vende reportagens por quilo


Da Secretaria Nacional do MST
 

Da Secretaria Nacional do MST
 

A revista IstoÉ publica na capa da edição desta semana um boné do MST bem velho e surrado, sob terras forradas de pedregulhos.

Decreta na capa “O fim do MST”, que teria perdido a base de trabalhadores rurais e apoio da sociedade.

Premissa errada, abordagem errada e conclusões erradas.

A mentira

A IstoÉ informa a seus leitores que há 3.579 famílias acampadas no Brasil, das quais somente 1.204 seriam do MST.

A revista mente ou equivoca-se fragorosamente. E a partir disso dá uma capa de revista.

Segundo a revista, o número de acampamentos do MST caiu nos últimos 10 anos. E teria chegado a apenas 1.204 famílias acampadas, em nove acampamentos em todo o país.

Temos atualmente mais de 60 mil famílias acampadas em 24 estados.

Levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aponta que há 156 mil famílias acampadas no país, somando todos os movimentos que lutam pela democratização da terra.

A revista tentou dar um tom de credibilidade com as visitas a uma região do Rio Grande do Sul, onde nasceu o Movimento, e ao Pontal do Paranapanema, em São Paulo.

Se contasse apenas os acampados nessas duas regiões, chegariam a um número bem maior do que divulgou.

A reportagem poderia também ter ido à Bahia, por exemplo, onde há mais de 20 mil famílias acampadas que organizamos.

O repórter teve oportunidade de receber esses esclarecimentos e até a lista de acampamentos pelo país.

Mas não quis ou não fez questão, porque se negou a mandar as perguntas por e-mail para o nosso setor de comunicação.

Outra forma seria perguntar para o Incra ou pesquisar no cadastro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).

Tampouco isso a IstoÉ fez.

Se foi um erro, além de incompetente, a direção da IstoÉ é irresponsável ao amplificá-lo na capa da revista.

Se não foi um erro, há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia, como escreveu William Shakespeare.

O desvio

A IstoÉ se notabilizou nos últimos tempos nos meios jornalísticos como uma revista venal. A revista é do tipo “pagou, levou”. Tanto é que tem o apelido de “QuantoÉ”.

Governos, empresas, partidos, entidades de classe, igrejas (vejam a capa da semana anterior) compram matérias e capas da revista. E pagam por quilo, pelo “peso” da matéria.

A matéria da IstoÉ não é fruto de um trabalho jornalístico, mas de interesses de setores que são contra os movimentos sociais e a Reforma Agrária.

Não é de se impressionar uma vez que a revista abandonou qualquer compromisso com jornalismo sério com credibilidade, virando um “ativo” para especuladores.

Nelson Tanure e Daniel Dantas, do Grupo Opportunity, banqueiro marcado por casos de corrupção, disputaram a compra da revista em 2007.

Com o que esses tipos têm compromisso? Com o dinheiro deles.

Reação do latifúndio

A matéria é uma reação à nossa jornada de lutas de agosto.

Foram mobilizados mais de 50 mil trabalhadores rurais, em 20 estados.

Um acampamento em Brasília, com 4 mil trabalhadores rurais, fez mobilizações durante uma semana e ocupou o Ministério da Fazenda para cobrar medidas para avançar a Reforma Agrária.

A jornada foi vitoriosa e demonstrou a representatividade social e a solidez das nossas reivindicações na luta pela Reforma Agrária.

O governo dobrou o orçamento para a desapropriação de terras para assentar 20 mil famílias até o final do ano, liberou o orçamento para cursos para trabalhadores Sem Terra, anunciou a criação de um programa de alfabetização e a criação de um programa de agroindústrias.

Interesses foram contrariados e se articularam para atacar o nosso Movimento e a Reforma Agrária. Para isso, usam a imprensa venal para alcançar seus objetivos.

Os resultados da jornada e a reação do latifúndio do agronegócio, por meio de uma revista, apenas confirmam que o MST é forte e representa uma resistência à transformação do Brasil numa plataforma transnacional de produção de matéria-prima para exportação e à contaminação das lavouras brasileiras pela utilização excessiva de agrotóxicos.

A luta vai continuar até a realização da Reforma Agrária e a consolidação de um novo modelo agrícola, baseado em pequenas e médias propriedades, no desenvolvimento do meio rural, na produção de alimentos para o povo brasileiro sem agrotóxicos por meio da agroecologia.

Veja comentários de algumas pessoas públicas e deixe o seu também

Caro João Pedro Stédile,
 
“Quero expressar a minha indignação com a matéria da revista ” Isto É ” em relação ao Movimento dos  Trabalhadores Rurais Sem Terra.

A revista decretou o fim do MST, como no passado ja havia decretado o fim do PT, da CUT e dos movimentos sociais.1A revista se serviu a dar voz àqueles que querem um sistema político sem  a presença dos “debaixo”, como dizia Florestan Fernandes, porque eles questionam o latifundio improdutivo ,a propriedade que não cumpre função social e a concentração de renda e de terra no Brasil.

O MST continua vivo, ajudando a luta do povo por terra, trabalho e dignidade!”
 
Paulo Teixeira,
líder do PT na Câmara Federal
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Prezados amigos,

Após ver nas bancas de jornais a capa da revista IstoÉ desta semana, cujo título é “O Fim do MST”, senti-me instigado a enviar-lhes esta mensagem. O único critério que segui na escolha dos destinatários foi o de confiar em sua honestidade intelectual, independentemente de posições político-partidárias.

Ao longo da minha vida profissional e de militância política – notadamente no Sindicato dos Engenheiros/RJ – tive oportunidade de participar de atividades em parceria com diversas entidades e movimentos sociais, dentre os quais o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Assim, acho que consigo compreender porque a chamada grande mídia realiza um esforço permanente para satanizar o Movimento.

Diferentemente do que é divulgado pelos jornalões e redes de TV, o MST não “invade terras”. O Movimento seleciona minuciosamente as terras que não cumprem a finalidade social preconizada pela Constituição do Brasil e trabalhadores por ele organizados as ocupam, iniciando imediatamente a produção de alimentos nesses assentamentos. Ocupar, Resistir, Produzir é o seu lema. Às vezes, entre a primeira e a terceira ações, são obrigados a recuar, frente a mandados judiciais expedidos com enorme rapidez e a aplicação de notável violência policial. Alguns dos trabalhadores pagam com a vida a decisão de lutar por um pedaço de terra. Contam-se nos dedos das mãos os culpados que foram punidos. Os mandados frequentemente cobram a “devolução” de terras griladas e são patrocinados por grandes empresas, como é o caso, por exemplo,  da maior produtora de suco de laranja do Brasil, a Cutrale. A violência policial é a mesma que democraticamente se faz presente onde há pobreza e exclusão social.

Em um País onde a Reforma Agrária não se conclui – ou sequer “decola” -,  onde a bancada ruralista é organizada a ponto de ter uma presença numérica no Congresso Nacional muito superior à sua contribuição para a  economia brasileira, o MST é um perigo real ao olhar dos conservadores. Fosse de outra forma, os editores da Isto É e/ou aqueles que compraram a capa e páginas da revista para decretar a morte do Movimento e desqualificar seu dirigentes se ocupariam de outras frentes de luta, que lhes são também caras: legalização de alimentos transgênicos, liberação do uso de agrotóxicos, defesa da monocultura etc etc. A morte do MST seria uma “não notícia”, como se diz em linguagem jornalística, que no máximo renderia um aviso fúnebre. Não é o caso, como mostra com clareza a nota da Coordenação Nacional do MST, a propósito da  matéria. Não é o caso, como bem mostra uma notícia de capa de revista.

Além de ocupações de terras sub ou não utilizadas, o MST se ocupa da luta por crédito para pequenos e médios agricultores – de onde provém esmagadora parcela do alimento que chega às nossas mesas.  Nas grandes fazendas cultivam-se produtos (pouquíssimos) que rendem divisas, sim, para a economia brasileira, mas à custa da expulsão de trabalhadores rurais para as grandes cidades, da utilização intensa de pesticidas, da “seleção” de sementes híbridas, sempre no sentido da concentração de riqueza nas mãos de poucos proprietários.

O Movimento também trabalha em prol da formação de jovens trabalhadores rurais, cuja única perspectiva de progredir econômica, social e culturalmente é a de acreditar no Brasil e de trabalhar na sua terra. Para eles, não existem oportunidades em cursos no estrangeiro. Não há possibilidade de ascensão por herança de família. Inexistem padrinhos para bons empregos. Os lucrativos e estéreis jogos financeiros não lhes interessam, mas tampouco estão ao seu alcance. Não por acaso, o MST foi um dos principais articuladores da consolidação da Escola Nacional Florestan Fernandes, construída em Guararema (a 70 km da cidade de São Paulo) por mais de 1000 trabalhadores rurais e  colaboradores de todo o Brasil. Segundo informações do sítio da ENFF, nos cinco primeiros anos de sua existência (2005 a 2010) passaram pela escola 16 mil integrantes dos movimentos sociais do Brasil, da América Latina e da África.

Não bastasse essa ousadia inaceitável aos olhos dos barões da mídia e dos ricalhaços brasileiros, o Movimento é parceiro ativo de lutas travadas por diversas organizações sociais, que se opuseram, por exemplo, às privatizações de empresas estatais e à adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas – ALCA. Tivessem sido “bem sucedidas” as duas iniciativas, estaríamos hoje de mãos atadas e à beira do naufrágio iminente causado pela especulação de donos de dinheiro – de muito dinheiro! – responsáveis pela atual crise econômica em escala planetária. Ora, vejam só, fazem política, não se contentam em reivindicar terra!!!, blasfema o “topo da pirâmide” do País. E é isto mesmo! Muito bem! Apenas para os poderosos é crime lutar por um modelo de sociedade justo.

O MST está especialmente envolvido em quatro campanhas: “Agrotóxico mata” (o Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, embora seja o quinto país na produção de alimentos), “Fechar Escola é Crime” (por apresentarem um custo naturalmente elevado para seu funcionamento, escolas em áreas rurais têm sido fechadas por governos municipais e estaduais em nosso País), “30 anos do MST” (que mesmo na adversidade sabe festejar em vez de rezar missa fúnebre) e “Em Defesa do Código Florestal” (cujas mudanças em discussão colocam em risco grande parte da cobertura vegetal e da biodiversidade do Brasil).

Estão incorporadas ao cotidiano do MST outra ações dignas da nossa admiração, tais como a produção e distribuição de sementes “crioulas” (em contraposição ao esforço de enormes empresas multinacionais para reduzi-las a algumas poucas, híbridas e “patenteadas”!); a luta pela democratização da informação – seja através da difusão de notícias através da sua Secretaria Geral, seja apoiando o jornal Brasil de Fato ou editando a revista Sem Terra -; e a realização de marchas e ocupações de ministérios e órgãos públicos, como forma de efetivar políticas públicas em prol de pequenos e médios agricultores, único meio de superar a resistência oposta permanentemente pelo latifúndio contemporâneo, sempre bem representado nos gabinetes oficiais.
Provavelmente alguns dentre nós já ficou “entalado” no trânsito por conta de algumas dessas ações. Conhecendo um pouco melhor os objetivos do MST, penso que devemos ser generosos o suficiente para “perdoar-lhes” por esses incômodos e para dar-lhes as mãos na luta pela construção de um País democrático e justo para todos os brasileiros.

Um forte abraço!

Sérgio  Barbosa de almeida,
Engenheiro elétrico,
Ex- presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro.

 

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