Brigada da Via Campesina no Haiti completa três anos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Por Thalles Gomes
Da Página dp MST


A Brigada Internacionalista da Via Campesina Brasil está presente no Haiti desde janeiro de 2009. Mais de 30 militantes de distintos estados e movimentos sociais já fizeram parte da equipe, que é formada atualmente por 10 pessoas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Por Thalles Gomes
Da Página dp MST

A Brigada Internacionalista da Via Campesina Brasil está presente no Haiti desde janeiro de 2009. Mais de 30 militantes de distintos estados e movimentos sociais já fizeram parte da equipe, que é formada atualmente por 10 pessoas.

A brigada recebeu o nome de Jean-Jacques Dessalines, um dos heróis da revolução haitiana que conquistou a independência do país em 1804. Abaixo, leia entrevista concedida por correio eletrônico pelos brigadistas Dayana Mezzonato e José Luis Patrola.

Como surgiu a Brigada Internacionalista da Via Campesina Brasil no Haiti? Porque vocês adotoram o nome Dessalines?

A discussão sobre a brigada da Via Campesina no Haiti é antiga, ela começou a ser debatida nas instâncias da Organização em 2004. Mas a proposta não se viabilizou nesse primeiro momento. Em 2008 o debate foi retomado e iniciamos a preparação de quatro militantes da Via Campesina.

Em 29 de janeiro de 2009 desembarcamos no Haiti, com o objetivo de compartilhar com os camponeses haitianos as experiências que tivemos no Brasil; como a produção de sementes, técnicas agroecológicas, reflorestamento, captação de água e outras. Com as ações concretas poderíamos praticar a solidariedade internacional e ajudar a fortalecer o movimento camponês do Haiti. Por outro lado, a brigada também tinha como objetivo aprender com o povo haitiano as suas experiências de resistência.

Desalin (Jean-jacquesDessalines) foi uma das principais figuras na luta pela independência do Haiti que ocorreu em 1804 depois de uma guerra prolongada. A revolução haitiana rompe de forma total com a escravidão, com o sistema de concentração da terra e com os laços coloniais, com a França. Nessa época, depois de haver derrotado o império francês, Desalin lança as bases de construção do Estado nacional haitiano.

Quantas pessoas compoem a Brigada?  São todos brasileiros?

Atualmente somos 10 pessoas, todos brasileiros e brasileiras. Mas já tivemos 31 membros em 2010, onde havia um argentino e um italiano.

Quais as atividades que a a Brigada Dessalines vem desenvolvendo no Haiti?

Nosso trabalho é diretamente com os movimentos camponeses e está centrado em quatro frentes. A primeira é a produção de sementes de grãos e hortaliças, onde estão sendo construídos seis centros de produção de sementes envolvendo aproximadamente 150 famílias camponesas.

O objetivo é garantir que os camponeses tenham suas próprias sementes, já que 100% das sementes de hortaliças são importadas dos Estados Unidos e as sementes de grãos não tem boa qualidade.

Também estamos contribuindo com o movimento camponês TetKole (Cabeças Unidas) na construção do Centro Nacional de Formação e Agroecologia, onde ajudamos, a partir do trabalho voluntário, na estruturação de diversas atividades como: a construção da cerca, instalação da produção de cabritos e frangos, sistema de irrigação, além da formação e capacitação junto aos camponeses.

Outra ação importante da brigada é o reflorestamento, o Haiti tem um sério problema ambiental. Existem apenas 3% da cobertura vegetal, já que a principal fonte energética do país é o carvão; assim trabalhamos em quatro municípios na implantação de viveiros de árvores frutíferas e lenhosas.

A quarta frente é a Escola Técnica de Agroecologia, junto com a articulação KatJeKontre (Quatro olhos que se encontram), que é a Via Campesina do Haiti, está sendo organizada a escola para formação e capacitação de nível médio para jovens.

Em algumas das comunidades onde trabalhamos também temos a contribuição voluntaria dos médicos da Via Campesina que estudaram em Cuba.

Há dois grandes programas em perspectiva: produção de leite para a merenda escolar, numa parceria do governo brasileiro com o Haiti; e a estruturação dos camponeses com ferramentas, moinhos e cisternas de captação de água a partir do apoio da Petrobras, ambos estão em processo de articulação.
 

Quais as principais semelhanças e diferenças entre a agricultura do Haiti e do Brasil?

Assim como no Brasil, no Haiti nunca houve uma verdadeira reforma agrária; nesse sentido a questão da terra é um grave problema. Nos dois países a agricultura foi alvo das políticas neoliberais que impôs uma série de dificuldades para os camponeses, como a entrada de produtos subsidiados dos países desenvolvidos, que quebrou muitos pequenos e médios agricultores, obrigando-os a abandonarem o campo.

Apesar das imensas dificuldades que a agricultura camponesa vive, é ela que contribui em grande medida no abastecimento nacional de alimentos em ambos os países.

Por outro lado, nos últimos anos o Brasil atraiu o interesse do capital internacional para a produção de matérias primas para exportação, pois temos recursos naturais em abundância, como terra, água e biodiversidade. Assim, o governo brasileiro optou em apoiar a produção de soja, cana, eucalipto e outros para exportação, priorizando o modelo do agronegócio.

Para dar suporte a esse modelo foi fundamental aumentar o número de rodovias, construir barragens, canais de irrigação, portos, energia elétrica, etc. Ou seja, ocorreu um “desenvolvimento” (mesmo que desigual) do campo de forma muito acelerada.

O Haiti não sofreu esse tipo de investimento na agricultura; além disso, o campo foi abandonado pelo Estado. Nas zonas rurais não há energia elétrica, água encanada, nem rodovias asfaltadas para o interior do país. A prática agrícola ainda é muito simples, em geral com ferramentas manuais, pouquíssimo uso de adubo químico e veneno.

Passados dois anos do terremoto de 12 de Janeiro de 2010, como está a reconstrução do país?

Vale dizer, antes de tudo, que o Haiti mereceria uma reconstrução antes do terremoto devido à precária situação em que se encontrava. O terremoto agravou uma situação que já era crítica.

Logo depois do terremoto muitas promessas foram feitas para “ajudar na reconstrução do Haiti”, as cifras de recursos eram gigantescas (cerca de 9 bilhões de dólares). Mas o que vemos hoje é o Haiti novamente abandonado, não foram cumpridas as promessas.

Muitas ONG’s entraram no país pós terremoto, mas focalizaram o trabalho em ações imediatas, como a doação de tendas, de alimentação e atendimento médico. Ações nesse sentido são importantes para o atendimento pós-tragédia; entretanto é fundamental desenvolver ações estruturais que ajude o povo a sair da condição de miséria.

Por outro lado, há uma prioridade na construção dos prédios públicos, apesar de caminhar lentamente. Nesse caso, está em jogo o interesse de grandes empresas construtoras, dentre elas americanas, brasileiras e dominicanas.

A Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti [MINUSTAH], sob coordenação do Exército Brasileiro, vai completar em 2012 sete anos de ocupação no Haiti. Qual a avaliação da Brigada Dessalines sobre a atuação da MINUSTAH no país? Houve alguma mudança com a chegada de novo Ministro de Defesa brasileiro, Celsom Amorim? 

A brigada busca entender o sentimento do povo haitiano. Um povo deve ser soberano nas grandes decisões do seu país. O que temos percebido é que nos anos de 2004 a 2006 o país de fato viveu momentos de grandes tensões, talvez naquela ocasião justificasse algum tipo de ajuda internacional.

Mas hoje a população haitiana, no geral, não está satisfeita com a presença das tropas da ONU. Por três fatores muito concretos: primeiro, houve casos de violação às mulheres e jovens; segundo porque foi comprovado que a cólera que afetou o país, matando mais de sete mil pessoas, veio das bases da MINUSTAH e terceiro, porque o país não está em guerra para receber uma “força de paz”.

Em relação a ocupação militar constatamos que os gastos chegam a 800 milhões de dólares anuais. É lamentável que toda essa despesa não se converte em quase nada na resolução dos verdadeiros problemas estruturais do país.

Após o terremoto de 2010, houve um aumento significativo de migrantes haitianos vindo para o Brasil. Há muitos haitianos migrando para outros países? Além do Brasil, quais os outros destinos mais procurados? Por que os migrantes haitianos estão escolhendo o Brasil? Como vocês avaliam as restrições do governo brasileiro à entrada dos haitianos no país?

O fenômeno da migração se acentuou com o terremoto, mas ele existe há bastante tempo. O país tem uma população de 9,5 milhões de pessoas vivendo no Haiti e mais dois milhões vivendo só nos Estados Unidos. Um dado preocupante é que 1/3 do PIB do país vem de recursos dos familiares que vivem fora da ilha.

A situação econômica do país é muito grave; o índice de desemprego é elevadíssimo, por isso muitos querem sair. Muitos haitianos estão escolhendo o Brasil porque há uma forte presença brasileira no Haiti: tropas da ONU, empresas construtoras, produtos alimentícios, etc.

No imaginário popular é criada a ideia de que no Brasil a situação econômica está boa. Além disso, o haitiano é fanático por futebol e a maioria da população torce pelo Brasil, é comum ter bandeiras do Brasil pintadas nos muros, nos ônibus, pendurada nos carros, etc. Ou seja, o povo haitiano tem um carinho especial pelo Brasil e a imigracao tende a aumentar.

Quais as perspectivas do Brigada Dessalines para este ano?

Em 2012 a perspectiva maior está centrada na Escola Técnica de Agroecologia. Se conseguirmos avançar junto com os movimentos camponeses na concretização dessa experiência será uma grande vitória para os camponeses e camponesas.

Também em 2012 a brigada completa três anos de atuação no Haiti, ou seja, já adquirimos certo conhecimento do terreno e da cultura. Isso nos coloca o desafio de, junto com as organizações camponesas haitianas, realizarmos um balanço do intercambio e avançarmos na consolidação dos nossos objetivos, de fortalecer o movimento camponês.

Veja vídeo realizado pela brigada em comemoração aos três anos de sua atuação